Réquiem para Igor.

27/11/2014 20:36

Igor foi um dos presentes de Floripa e da UFSC em minha vida.
Nosso encontro, que logo se transformou em amizade, foi marcado desde o início por uma admiração mútua. Dessas quase instantâneas entre pessoas que compartilham as mesmas afinidades teóricas – inclusive, o mesmo tema de pesquisa -; a mesma afirmação como sujeito homossexual; a mesma crença de que a pesquisa histórica e a academia podem ser ferramentas de transformação social.

Não imaginei que o nosso próximo encontro se daria em circunstâncias tão tristes e tão dolorosas. Acabo de chegar do seu enterro.
Pensei que encontraria Igor em Floripa, como aconteceu em agosto, quando estivemos juntos pessoalmente pela última vez.
Ali passamos boas horas sentados num banco próximo ao Centro de Eventos, admirando a chuva que riscava a paisagem.
Além da lembrança das histórias sobre História, amores e decepções, tão típicas dos gays contemporâneos, guardo daquele dia, um livro que Igor me emprestou: A construção do discurso de sedução em um jornal sensacionalista.
Conheci a obra lendo a maravilhosa dissertação dele, As Sexualidades desviantes nas páginas do jornal Diário Catarinense (1986 – 2006).
O livro está marcado com uma dezena de folhas amarelas post-it que trazem a escrita de Igor e revelam o quanto ele era criterioso, perfeccionista e tímido. De tão minúsculas, suas letras são quase ilegíveis; A dissertação, de uma beleza e sensibilidade raras nas pesquisas históricas, mostra que aquele garoto de voz trêmula sabia usar a escrita como um samurai sabe manejar sua espada, de modo que seu trabalho é uma arma na luta contra os preconceitos, especialmente, contra a transfobia.
A dissertação de Igor, cuja leitura se faz obrigatória, é mais do que um trabalho de conclusão de Mestrado, ela é um manifesto do modo como Igor viveu: sensível e combatente.
Tentarei preencher o vazio deixado pela partida prematura de Igor com essas lembranças. Certo de que a melhor homenagem que podemos prestar a ele é continuar lutando contra essa sociedade machista, racista e homofóbica que marca nossas subjetividades, nossas vidas e nossas mortes.

Meu amigo Igor, sentirei sua falta.

Texto de Elias Veras, doutorando do Programa de Pós-Graduação em História Cultural da UFSC.